Talvez eu esteja atirando em meu próprio pé aqui com este artigo, vou ver se consigo terminar com ele – o artigo, não o pé – sem muito estrago.
Como é que uma agência de propaganda que, no limite, vive da criatividade, corre o risco de deixar a sua criação apenas com as pessoas que julgamos criativas? Quero dizer, entendo que criativos normalmente são encarados como magos detentores de um poder místico inspirador que pode ser invocado e conjurado quando preciso. E que este poder necessita de condições ideais: é a música, o clima, o café, a bebida, a fase da lua… mas esses magos são só uma parte da equipe no fim das contas.
Não acredito nessa versão. Usei “acredito” de propósito.
Criatividade não é crença ou mágica, não tem nada de místico e, arrisco dizer, pouco tem a ver com talento. Criatividade é trabalho duro, muita pesquisa, anos de erros e acertos para conseguir o entendimento de que você não sabe nada. É um aprendizado para conseguir o desprendimento que lhe deixe seguro para continuar aprendendo. Com qualquer pessoa, a qualquer momento.
Sabe quem mais trilha este mesmo caminho e também tem essa aura de Gandalf? O empreendedor.
Criatividade S/A
Olhando o currículo de Ed Catmull em 1974 você poderia chamá-lo de qualquer coisa, menos de criativo. Catmull é um empreendedor de sucesso, fundador da Pixar e escreveu o excelente livro que, por uma alegre aleatoriedade, acabei relendo e motivou o post: o Criatividade S/A. Aliás a aleatoriedade é tratada de forma genial no livro, mas vamos ficar aqui na criatividade como produto.
Um fato que não gera discussões é que a Pixar, assim como uma agência, é uma empresa que vive de criatividade. E a principal preocupação de Ed era não deixar, a exemplo de outras empresas criativas como a Disney, que seu principal produto – a criatividade – se personificasse em uma equipe. Ou pior, em uma única pessoa. Depois da morte de Walt Disney, os funcionários do estúdio se perguntavam “e agora?”, um medo tomou conta da empresa e, a cada dia sem uma ideia genial, a pressão aumentava. A própria Apple sofreu com isso também após a morte de Steve Jobs.
Catmull sugere em seu livro que a criatividade seja tratada como um produto, como um carro é em uma montadora. Qualquer funcionário ao perceber um erro na linha de montagem tem a permissão para desligar a esteira sem avisar ninguém e trabalhar para corrigir este erro.
De certa forma, Ed fez isso na Pixar: organizou um ambiente onde qualquer pessoa tem a confiança e a permissão de interferir e corrigir o problema na criação assim que ele for percebido. Sem medo de errar, sem represálias.
A permissão para errar
A grande vantagem desta abordagem é que deste modo todos se sentem responsáveis por aquela criação. E, ao mesmo tempo, nos distanciamos dela. Qualquer comentário não será encarado (e nem deve ser) como pessoal. É a ideia, como produto, que vai ser cuidada e protegida na linha de montagem garantindo a qualidade da criação na entrega para o cliente.
É claro que os erros acabam acontecendo e precisamos de mecanismos para ter a certeza que vamos aprender com eles. O importante é dar o poder de decisão às pessoas e deixá-las confiantes para intervir, sem o medo do fracasso. Corrigir os rumos da criação no decorrer do processo economiza tempo, stress e investimento.
Dentro das agências isto dificilmente acontece. Quero dizer, as pessoas normalmente se sentem mais à vontade em interferir depois do caminho traçado. Quando já enxergam o produto final. Esta interação também é válida mas ela funciona quase que como o que faz um crítico de arte, de cinema. Normalmente vem com uma intenção de avaliação, independentemente se positiva ou negativa. E fazendo um mea culpa aqui, nem sempre é fácil de digerir. Mas falo aqui de alguns passos antes.
Integração
As pessoas dentro de uma agência deixam de sugerir, de intervir, de opinar enquanto uma ideia criativa está surgindo por medo, por falta de confiança ou às vezes até pela apatia do “não é minha área”. Deixam de melhorar o produto simplesmente porque não fazem parte da criação e, por este mesmo motivo, ainda são considerados por vezes como coadjuvantes no trabalho.
E se você achava que meu pé estava seguro até agora, é porque ainda não pensou em uma frase muito comum dentro das agências. “Ele tá é tirando o dele da reta“. Vou retrucar então com outra frase bem comum nas agências também. “Não é qualquer ideia que é boa, mas uma boa ideia pode vir de qualquer lugar.”
Mentira, essa frase é do Ratatouille da Pixar.